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Rio... CAPÍTULO XLVIII / TERPSÍCORE Nenhuma dessas cousas preocupava Natividade. Mais depressa cuidaria do baile da ilha Fiscal, que se realizou em novembro para honrar os oficiais chilenos. Não é que ainda dançasse, mas sabia-lhe bem ver dançar os outros, e tinha agora a opinião de que a dança é um prazer dos olhos. Esta opinião é um dos efeitos daquele mau costume de envelhecer. Não pegues tal costume, leitora. Há outros também ruis, nenhum pior, este é o péssimo. Deixa lá dizerem filósofos que a velhice é um estado útil pela experiência e outras vantagens. Não envelheças, amiga minha, por mais que os anos te convidem a deixar a primavera; quando muito, aceita o estio. O estio é bom, cálido, as noites são breves, é certo, mas as madrugadas não trazem neblina, e o céu aparece logo azul. Assim dançarás sempre. Bem sei que há gente para quem a dança é aútes um prazer dos olhos. Nem as bailadeiras são outra cousa mais que mulheres de ofício. Também eu, se é lícito citar alguém a si mesmo, também eu acho que a dança é antes prazer dos olhos que dos pés, e a razão não é só dos anos longos e grisalhos, mas também outra que não digo, por não valer a pena. Ao cabo, não estou contando a minha vida, nem as minhas opiniões, nem nada que não seja das pessoas que entram no livro. Estas é que preciso pôr aqui integralmente com as suas virtudes e imperfeições, se as têm. Entende-se isto, sem ser preciso notá-lo, mas não se perde nada em repeti-lo. Por exemplo, D. Cláudia. Também ela pensava no baile da ilha Fiscal, sem a menor idéia de dançar, nem a razão estética da outra. Para ela, o baile da ilha era um fato político, era o baile do ministério, uma festa liberal, que podia abrir ao marido as portas de alguma presidência. Via-se já com a família imperial. Ouvia a princesa: Como vai, D. Cláudia? Perfeitamente bem, Sereníssima senhora. E Batista conversaria com o imperador, a um canto, diante dos olhos invejosos que tentariam ouvir o diálogo, à força de os fitarem de longe. O marido é que... Não sei que diga do marido relativamente ao baile da ilha. Contava lá ir, mas não se acharia a gosto; pode ser que traduzissem esse ato por meia conversão. Não é que só fossem liberais ao baile, também iriam conservadores, e aqui cabia bem o aforismo de D. Cláudia que não é preciso ter as mesmas idéias para dançar a mesma quadrilha. Santos é que não precisava de idéias para dançar. Não dançaria sequer. Em moço dançou muito, quadrilhas, polcas, valsas, a valsa arrastada e a valsa pulada, como diziam então, sem que eu possa definir melhor a diferença; presumo que na primeira os pés não saíam do chão, e na segunda não caíam do ar. Tudo isso até os vinte e cinco anos. Então os negócios pegaram dele e o meteram naquela outra contradança, em que nem sempre se volta ao mesmo lugar ou nunca se sai dele. Santos saiu e já sabemos onde está. Ultimamente teve a fantasia de ser deputado. Natividade abanou a cabeça, por mais que ele explicasse que não queria ser orador nem ministro, mas tão somente fazer da Câmara um degrau para o Senado, onde possuía amigos, pessoas de merecimento, e que era eterno. Eterno? interrompeu ela com um sorriso fino e descorado. Vitalício, quero dizer. Natividade teimou que não, que a posição dele era comercial e bancária. Acrescentou que política era uma cousa e indústria outra. Santos replicou, citando o Barão de Mauá, que as fundiu ambas. Então a mulher declarou por um modo seco e duro que aos sessenta anos ninguém começa a ser deputado. Mas é de passagem; os senhores são idosos. Não, Agostinho, concluiu a baronesa com um gesto definitivo. Não conto Aires, que provavelmente dançaria, a despeito dos anos; também não falo de D. Perpétua, que nem iria lá. Pedro iria, e é natural que dançasse, e muito, não obstante o afinco e paixão dos seus estudos. Vivia enfeitiçado pela medicina. No quarto de dormir, além do busto de Hipócrates, tinha os retratos de algumas sumidades médicas da Europa, muito esqueleto gravado, muita moléstia pintada, peitos cortados verticalmente para se lhes verem os vasos, cérebros descobertos, um cancro de língua, alguns aleijões, cousas todas que a mãe, por seu gosto, mandaria deitar fora, mas era a ciência do filho, e bastava. Contentava-se de não olhar para os quadros. Quanto a Flora, ainda verde para os meneios de Terpsícore, era acanhada ou arrepiada, como dizia a mãe. E isto era o menos; o mais era que com pouco se enfadaria, e, se não pudesse vir logo para casa, ficaria adoentada o resto do tempo. Note-se que, estando na ilha, teria o mar em volta, e o mar era um dos seus encantos; mas, se lhe lembrasse o mar, e se consolasse com a esperança de o mirar advertiria também que a noite escura tolheria a consolação. Que multidão de dependências na vida, leitor! Umas cousas nascem de outras, enroscam-se, desatam-se, confundem-se, perdem-se, e o tempo vai andando sem se perder a si. Mas donde viria o tédio a Flora, se viesse? Com Pedro no baile, não; este era, como sabes, um dos dous que lhe queriam bem. Salvo se ela queria principalmente ao que estava em S. Paulo. Conclusão duvidosa, pois não é certo que preferisse um a outro. Se já a vimos falar a ambos com a mesma simpatia, o que fazia agora a Pedro na ausência de Paulo, e faria a Paulo na ausência de Pedro, não me faltará leitora que presuma um terceiro... Um terceiro explicaria tudo, um terceiro que não fosse ao baile, algum estudante pobre. X sem outro amigo nem mais casaca que o coração verde e quente. Pois nem esse, leitora curiosa, nem terceiro, nem quarto, [ Pobierz caÅ‚ość w formacie PDF ] |
Podobne
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